Cerca de seis meses após a crise financeira internacional desembarcar no Brasil, considerada inicialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma "marolinha" e vista hoje por economistas como uma tempestade, dezembro trouxe para o consumidor três novidades que estão ajudando a reaquecer o mercado automobilístico e o consumo das famílias. No dia 11, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a isenção temporária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado sobre os carros populares, ampliou de duas para quatro as alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e, ainda, reduziu de 3% para 1,5% a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Principalmente para as concessionárias de automóveis, o resultado foi imediato. Quem havia adiado o objetivo de comprar um veículo novo ou simplesmente trocar o carro usado por um zero km voltou aos feirões e às lojas. Já as alterações do IRPF e do IOF devem fazer com que o crédito ao consumidor fique mais barato, repercutindo no custo dos juros e nas vendas a prazo. Para analistas econômicos, que reconhecem a eficácia das medidas, mas costumam enxergar pacotes do governo além do viés positivo, as novidades são uma pequena parte de uma mudança mais profunda (e necessária) no sistema tributário brasileiro. O diretor de tributos da Trevisan Outsourcing, Carlos Alberto Caldarelli, concorda que o pacote é benéfico e prevê que "já neste primeiro mês de vigência as pessoas sentirão no bolso um alívio". Para as empresas, segundo o especialista, o fortalecimento do consumo vai repercutir no aumento da produção para atender à demanda. É o caso, por exemplo, da indústria automobilística. O contador da Consultores Associados, Carlos do Carmo Barbosa, crê no reaquecimento do mercado automobilístico. "O incremento nas vendas foi muito grande nos primeiros dias e os preços estão ajudando os consumidores que não têm dinheiro para adquirir o veículo à vista", pondera.
O medida veio em boa hora. A diminuição nas vendas tem obrigado as montadoras a emendar meses de férias coletivas enquanto os pátios estão lotados de carros. Cenário preocupante para um segmento que gerou US$ 58 bilhões em riqueza ano passado (18% do PIB industrial) e emprega mais de 120 mil trabalhadores, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
IBPT considera limitados os efeitos práticos das alterações fiscais anunciadas por Mantega
Na opinião do presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, as medidas do anunciadas pelo ministo da Fazenda, Guido Mantega, são insuficientes para aquecer a economia. O dirigente explica que restabelecer a confiança do mercado não é algo tão simples que se possa resolver com redução do IOF e IPI. "Há mais de 20 anos não se via a ocorrência de demissões no mês de dezembro. O abalo da empregabilidade no setor industrial refletiu na postura do consumidor, que ficou mais reticente", diz. Entre as companhias que anunciaram redução no quadro neste mês está a Vale, que demitiu 1,3 mil colaboradores e deu férias coletivas até fevereiro de 2009 a outros 5,5 mil funcionários. A medida, conforme a Vale, é decorrência do agravamento da crise no cenário internacional, que provocou queda na demanda da mineradora brasileira.
Um dos mais ferrenhos defensores de uma nova matriz tributária, Amaral afirma que o governo deveria adotar medidas com impacto direto no setor produtivo, como alterações na cobrança da Cofins e da contribuição para a Previdência Social. Um alívio na Cofins, segundo Amaral, diminuiria custos de produção, dando fôlego às empresas. Já uma redução no desconto para o INSS poderia repercutir no aumento da contratação de mão-de-obra.
O presidente do IBPT avalia o pacote do governo como "analgésico". "As medidas pontuais e setoriais são como aspirina para um paciente que tem doença grave", comparou. A ação adequada, na opinião dele, deveria atingir as empresas no tocante à redução de tributos, alongamento de prazos e diminuição de burocracias.
E nem a extinção da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), em 31 de dezembro passado, é justificativa para evitar uma reforma ampla. De acordo com Amaral, a arrecadação do governo em 2008 bateu sucessivos recordes. "O atual momento político do País é favorável a mudanças mais profundas na matriz tributária, é o que queremos", completa.