Cristine Prestes e Fernando Teixeira
As sociedades de prestação de serviços formadas por profissionais liberais tentam obter seu quinhão no pacote de desoneração fiscal promovido pelo governo na Medida Provisória nº 449. Desde que começou a tramitar na Câmara dos Deputados, em 17 de dezembro, a medida já ganhou 371 emendas - uma delas prevê um parcelamento das dívidas de Cofins dessas empresas em 240 vezes, sem multas e com juros calculados pela TJLP. Uma outra emenda, ainda em estudo, poderá incluir na mesma MP a permissão para que as sociedades com faturamento superior a R$ 48 milhões, que recolhem seus tributos pelo regime do lucro real, possam pagar a Cofins pelo sistema cumulativo. Por ele, as sociedades garantiriam uma alíquota de 3,65%, enquanto pelo sistema não-cumulativo ela seria de 9,25%.
As emendas à MP nº 449 são uma nova investida das empresas para tentar amenizar os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 17 de setembro julgou constitucional a incidência da Cofins sobre seu faturamento e garantiu a retroatividade da cobrança do tributo sobre as sociedades de profissionais liberais. Desde então, elas correm o risco de serem autuadas pelo fisco e obrigadas a recolher a Cofins não paga nos últimos cinco anos (leia matéria abaixo).
A estratégia atual é uma das poucas saídas que restam aos contribuintes diante da derrota em uma disputa que se estende há pelo menos dez anos no Poder Judiciário. O caso ganhou maior dimensão quando, em 2003, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou a Súmula nº 276 garantindo a isenção da Cofins às sociedades - gerando uma corrida à Justiça que chegou a contar com 23 mil processos judiciais, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), e transformando a disputa em uma das maiores em número de processos já encerrada pelo fisco.
O cenário , no entanto, não demorou para começar a mudar. Desde 2004, quando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deu início a uma estratégia de tentar reverter a posição contrária amargada no STJ, são sucessivas as derrotas dos contribuintes (veja quadro ao lado) - e não por falta de bons advogados, já que entre as sociedades afetadas pela tributação estão os escritórios de advocacia, que têm sido os mais atuantes na defesa da não-incidência da Cofins. "A isenção estava em vigor, até que um caso mal conduzido acabou parando no Supremo", diz o advogado Antônio Corrêa Meyer, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa).
Depois de levado o caso ao Supremo, todas as teses desenvolvidas pelos contribuintes fracassaram. Uma das mais relevantes - apresentada já na sessão do pleno que acabou por definir a disputa - foi a tentativa de fazer o fisco provar de seu próprio remédio. Ou seja, de tentar convencer os ministros do Supremo a abandonarem o recurso extraordinário já com maioria de oito votos a um a favor do fisco e reiniciarem o julgamento do caso, mas em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo PSDB, cujo placar ainda estava zerado. A tese - de que uma ação de chamado controle concentrado de constitucionalidade deve se sobrepôr a um recurso, válido apenas para a parte que por meio dele litiga - é a mesma usada pelo fisco na maior disputa tributária em curso no país. Em 13 de agosto, a PGFN conseguiu convencer os ministros do Supremo a abandonarem um recurso extraordinário que pede a declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins já com maioria a favor dos contribuintes, substituindo-o por uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC), com placar zerado.
A tese, no entanto, não emplacou. E seguiu-se o julgamento, que confirmou a vitória do fisco. Na mesma sessão, o pleno analisou um pedido de modulação dos efeitos da decisão - ou seja, sua não-retroatividade -, mas, diante de um placar de cinco votos a cinco, a tese também fracassou. "Foi um julgamento conduzido muito apressadamente pelo ministro Gilmar Mendes", afirma Meyer. Esse é um dos pontos em que ainda há uma possibilidade de reversão na Justiça. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve recorrer da decisão sobre a modulação, com o argumento de que não é necessário um placar de dois terços dos ministros para aprová-la - mas apenas maioria simples. O acórdão do julgamento do Supremo foi publicado na sexta-feira, mas os prazos estão suspensos em função do recesso dos tribunais superiores, que retomam as atividades apenas em fevereiro. Também ainda tramita a Adin do PSDB, rejeitada monocraticamente, mas com agravo regimental já interposto. "A Adin não deve ser julgada no mérito, mas ainda tenho a esperança de que o Supremo seja sensível à modulação", diz Meyer.
No Legislativo, as emendas à MP nº 449 não são a primeira investida das empresas. Já foram apresentados dois projetos de lei sobre o tema - um deles previa o parcelamento da Cofins também em 240 meses, mas apenas para os escritórios de advocacia. Outro projeto, que tramita no Senado desde o início de novembro, é ainda mais generoso: prevê a anistia das dívidas de Cofins para todas as sociedades de profissionais liberais.
Fazenda já cobra tributo
Fernando Teixeira e Laura Ignacio
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da cobrança da Cofins das sociedades de profissionais liberais em setembro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) intensificou o ajuizamento de ações rescisórias para cassar decisões favorecendo prestadores de serviço. A coordenação do contencioso da procuradoria em Brasília estima que foram ajuizadas mais de 50 ações apenas no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, foram 20 ações do tipo - isso porque o tribunal já era majoritariamente pró-fisco Em tribunais favoráveis aos contribuintes - caso dos TRFs de Brasília e do Rio de Janeiro -, os procuradores não têm uma estimativa de quantas ações foram ajuizadas, mas ambos já têm pronunciamentos favoráveis à Fazenda.
No TRF da 2ª Região, a procuradoria local obteve, no início de dezembro, uma decisão do plenário do tribunal cassando a isenção obtida por um grande escritório de advocacia local - o Ulhôa Canto Advogados. No TRF da 1ª Região, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) perdeu em setembro uma decisão com trânsito em julgado desde 2005, deixando sujeitos à tributação os 28,5 mil advogados filiados à seccional. Em setembro de 2007, quando o julgamento da Cofins no Supremo tinha um placar apenas parcial favorável ao fisco, o TRF da 5ª Região derrubou a decisão obtida pela seccional pernambucana na OAB. Na ocasião, o órgão especial do tribunal concedeu a não-retroatividade da cobrança da Cofins, posição contrária à adotada mais tarde pelo Supremo, na conclusão do julgamento.
No STJ, o tema também já foi definido pela primeira seção da corte em novembro deste ano. Na ocasião, a ministra Eliana Calmon entendeu que não havia como admitir a ação rescisória porque o entendimento do tribunal sobre o tema nunca foi pacificado. Com isso, afastou a incidência da Súmula nº 343 do Supremo, pela qual não cabe ação do tipo quando há interpretação controvertida sobre o tema. Segundo o entendimento expresso pela ministra, a Súmula nº 276 do STJ, adotada pelos advogados como jurisprudência contra a cobrança da Cofins, trata de casos anteriores a 1996, quando a Lei nº 9.430 instituiu a cobrança.
Mais tarde, em 26 de novembro, a primeira seção da corte ampliou seu conceito de ação rescisória negando um pedido de um advogado que tentava evitar a ofensiva da Fazenda com uma nova tese - a chamada tese da superveniência, pela qual a isenção da Cofins é assegurada por um decreto-lei editado em 1987 e nunca revogado. Mas os ministros entenderam que a nova alegação não poderia ser analisada àquela altura do processo.