A atividade industrial representa 17,2% do Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho, enquanto responde por 28,8% da arrecadação total de impostos - um desequilíbrio que tem contribuído para aumentar as dificuldades do desenvolvimento do setor, que está em queda desde 2010. De acordo com o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor José Müller, somente no segmento de transformação, os tributos representam 47,4% do PIB a partir do momento que os produtos saem da fábrica.
"Os serviços apresentam esse mesmo percentual de resultados no PIB. No entanto, o setor responde por 38,5% da arrecadação", compara o dirigente. Müller destaca que o segmento mais atingido pela necessidade arrecadatória dos governos tem sido a indústria de transformação, na qual há uma "pressão psicológica" em cima dos empresários. "As pessoas perdem o ânimo de empreender", lamenta.
Para Müller, a indústria gaúcha não tem conseguido crescer devido ao "fardo pesado" que é dar conta da estrutura tributária. "No passado, tínhamos a hiperinflação, e o governo se aproveitava disso para regularizar seu caixa. Hoje, com o IPCA beirando a 4%, não tem mais como esconder o montante que equivale à arrecadação", alfineta Müller, lembrando que, há 20 anos, o País consumia 25% do PIB em impostos. "Isso passou a representar 33% em 2015, o que evidencia uma separação entre o crescimento da máquina pública em comparação ao que produzimos."
Além de alta carga tributária, o expressivo número de tributos e de obrigações acessórias geram muita burocracia para cumprir as exigências do Fisco, bem como a insegurança jurídica. Devido à legislação complexa, sujeita a interpretações distintas, muitas vezes as empresas são obrigadas a contestar normas no Judiciário. "Para exemplificar, em âmbito estadual, temos 27 legislações sobre ICMS, causando muita complexidade e incentiva a guerra fiscal", aponta a advogada Tatiane Correa, que responde pela assessoria jurídica da Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio/RS).
O dirigente afirma que o setor sofre com "falta de infraestrutura e de políticas" de estímulo à cadeia produtiva. Em vista dessas limitações, uma série de empresas - a exemplo das do segmento coureiro-calçadista - migraram para outros estados, atraídas por incentivos fiscais que buscam o incremento da atividade produtiva local.
"Isso gera uma concorrência desleal com quem fica em solo gaúcho", destaca o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico do Estado do Rio Grande do Sul (Sinmetal), Gilberto Petry. "A prática de cobrar ICMS menor deveria ser aprovada por unanimidade pelo Confaz", reclama o dirigente, lembrando que "em geral os incentivos acontecem por uma decisão unilateral do estado que oferece". O mesmo ocorre quando o varejo compra produtos de indústrias de fora do Estado, destaca Petry.
Simplificar para solucionar
O dado mais recente da Receita Federal do Brasil, de 2015, aponta carga tributária de 32,66% em relação ao PIB. "É muito alta, especialmente se comparada aos serviços que são fornecidos pelo governo", opina a advogada Tatiane Correa, da assessoria jurídica da Fecomércio/RS. No caso específico do Rio Grande do Sul, cuja economia é composta por indústrias voltadas à exportação e ao agronegócio, a perda de competitividade com um sistema tributário complexo afeta diretamente a capacidade das empresas regionais de se manterem fortes junto a seus competidores internacionais, aponta o presidente da Fiergs, Heitor José Müller.
"É um grande entrave a interpretação, aplicabilidade, burocracia e complexibilidade da tributação fiscal, declara o presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS), Alexandre Guerra, ao lamentar a perda de competitividade. O dirigente explica que, no setor produtivo, dependendo da área, a área contábil exige uma equipe maior do que a da atividade-fim. "É necessário mais funcionários ligados à assessoria fiscal e tributária para resolver a questão dos impostos, que exige muito trabalho."
Para Tatiane, a solução para minimizar alguns dos problemas para as empresas seria a simplificação do sistema tributário, com uma redução do número de impostos e obrigações acessórias. "Propomos, por exemplo, a unificação da legislação do ICMS, do PIS e da Cofins - que incidem sobre o faturamento - e do IRPJ e da CSLL - que incidem sobre o lucro." A ideia é quase uma unanimidade entre os industriários.
"Somos favoráveis à simplificação para reduzir custos", comenta Guerra. Além do custo ser grande para competir com outros estados, o dirigente lembra que o Brasil é importador de lactos, o que faz com que o Estado concorra com outros países que têm carga tributária mais simples, como a Argentina e o Uruguai. Tudo isso influencia no preço final. "Se hoje temos mais custos e não conseguimos competir, é um retrocesso para a indústria e os produtores."
Excesso de impostos preocupa empresários
O principal entrave para o crescimento das indústrias é o excesso de impostos, aponta sondagem sobre tributação realizada pela Fiergs, em 2014. O quesito foi citado por 90,3% dos entrevistados, seguido pela ocorrência de impostos e contribuições em cascata, com 63% das respostas. Já a tributação brasileira que incide sobre exportações foi avaliada negativamente por apenas 1,5% das empresas que integraram o levantamento.
Tatiane Correa, da assessoria jurídica da Fecomércio/RS, observa que, enquanto mudanças não ocorrerem, as empresas devem fazer planejamento tributário junto com seus advogados e contadores, buscando pagar menos impostos dentro dos parâmetros legais. "Dependendo do setor, especialmente em âmbito local, há possibilidade de negociação direto com a Receita Estadual. É importante procurar o Fisco", recomenda .
Para o vice-presidente técnico do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS), Márcio Silveira, a única alternativa para reduzir os custos é modificar a legislação. "É urgente uma reforma efetiva, que simplifique a carga tributária, reduzindo sua complexidade. O mesmo vale para a reforma trabalhista", pontua.
Complexidade é combustível para potencializar guerra fiscal entre estados
O setor lácteo representa um dos segmentos mais afetados pelos entraves tributários, uma vez que exporta parte da produção para o mercado interno. O presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat/RS), Alexandre Guerra, aponta a guerra fiscal entre os estados como um dos percalços que precisam de solução. "Quando vendemos em São Paulo e Paraná, o preço custa 7,5% mais caro do que o do leite produzido nestes estados", observa.
"Nossas indústrias estão definhando, e estamos importando cada vez mais", concorda o presidente da Fiergs, Heitor José Müller, destacando que esses problemas impedem não só um crescimento maior nas empresas já estabelecidas, mas também afastam investimentos locais e estrangeiros. "Consequentemente, isso afeta a instalação de novas empresas no Rio Grande do Sul", lamenta.
A proposta do governo federal de acabar com incentivos fiscais para cobrir o rombo dos cofres públicos, diz Müller, é outra ameaça ao desenvolvimento do setor. "Exemplo de que é importante para o crescimento do Estado é a GM, em Gravataí, que se beneficiou dos créditos relativos ao ICMS, que inclusive hoje já está pagando." Na contramão, cita o dirigente, houve a desistência da Ford em se instalar no Estado e optar pela Bahia.
Caso o Rio Grande do Sul deixe de oferecer incentivos fiscais, Müller acredita que o Estado irá perder empresas da área industrial. "Se tirar incentivo da indústria do leite, por exemplo, vamos ter que pagar 12% para sair do Estado, concorrendo com outros onde é a cobrança é de 7%. Quem vai cobrir estes 5%?", questiona.
A Agenda da Indústria Gaúcha, entregue em março à bancada federal, tem um capítulo sobre o Programa de Regularização Tributária (PRT), que, na visão dos empresários, representa avanço no sentido de amenizar problemas que afligem grande parte das empresas brasileiras: o atraso no pagamento de obrigações tributárias e não tributárias com o Estado. "A proposta é benéfica tanto para os contribuintes, que terão oportunidade de regularizar sua situação fiscal junto à Receita Federal, como para a administração pública, que contará com nova fonte de arrecadação tributária", defende o presidente da Fiergs.
No que se refere à iniciativa privada, o dirigente acredita que o programa auxiliará na quitação de débitos fiscais em atraso e restabelecer as condições financeiras. "Entretanto, para que ocorra a efetiva quitação dos débitos pelos contribuintes, o programa precisa ser aperfeiçoado", pondera. Nesse sentido, a agenda aponta que é preciso ainda definir que o pagamento seja feito em parcelas mensais e sucessivas, calculadas a partir da incidência de um percentual - variável, em função do porte da empresa, sobre a receita bruta do mês anterior, entre outras questões, a exemplo de estipular redução de multas, juros e encargos legais na consolidação da dívida a ser parcelada.