O setor bancário brasileiro prepara uma rodada geral de capitalização, de olho no aumento das operações de crédito -em torno de 25% ao ano em 2010 e 2011- e no crescimento da demanda por financiamentos de obras de infraestrutura.
Tanto instituições públicas como privadas já se aproximam dos limites de concessão de crédito determinados pelo Banco Central. Para elevar o ritmo dos empréstimos e não perder negócios, a maioria terá de reforçar o patrimônio, especialmente, a partir de 2011.
Para isso, terão de buscar dinheiro novo de seus acionistas e do mercado de capitais, como já aconteceu com o Santander Brasil, em outubro, com a oferta de ações na Bolsa.
O maior problema de capitalização é dos bancos públicos, que atuaram de forma agressiva para minimizar os efeitos da crise no ano passado e consumiram boa parte da margem para operar. Controlados pelo governo federal, esses bancos dependem de aportes do Tesouro Nacional. A solução tem que ser definida neste ano, último da gestão do presidente Lula, para evitar que instituições como Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal tenham sua atuação limitada.
Entre os bancos privados, o movimento também já começou. Santander e HSBC já reforçaram o caixa e ampliaram a estrutura de capital para poder emprestar mais já em 2010.
O HSBC obteve R$ 1 bilhão da matriz britânica para manter uma expansão de pelo menos 20% na carteira de crédito neste ano. O Santander levantou R$ 13,2 bilhões na Bolsa em outubro e tornou-se o banco mais capitalizado do país.
Segundo Pedro Paulo Longuini, vice-presidente corporativo do Santander Brasil, com esse dinheiro o banco tem folga para conceder mais R$ 100 bilhões em novos empréstimos nos próximos três anos.
No caso do Bradesco, o aumento recente de capital de R$ 2 bilhões consumiu recursos já separados como reserva de lucro, tendo impacto apenas contábil. Com isso, não elevou sua capacidade de empréstimo. Mesmo assim, o banco terá de pensar no assunto ainda em 2010, segundo analistas.
Instituições públicas
Nos últimos anos, para evitar um aporte direto de dinheiro -o que piora o resultado fiscal da União-, o Ministério da Fazenda vinha usando "instrumentos alternativos" que permitem "turbinar" o patrimônio das instituições federais sem comprometer as contas públicas. É o caso das dívidas subordinadas (a última a ser paga em caso de falência), que, por serem consideradas de melhor qualidade, podem ser computadas como patrimônio.
No entanto, o BC estabelece limites para a utilização desses instrumentos. A Caixa, por exemplo, tinha patrimônio de referência de R$ 23,1 bilhões no último balanço. Desse total, pelo menos R$ 11,2 bilhões são compostos desses instrumentos. A Caixa tinha espaço para utilizar mais, pelo menos, R$ 2,5 bilhões desses instrumentos, mas o montante não resolve o problema de capitalização que o banco terá pela frente.
O patrimônio das instituições é o que define quanto elas podem emprestar. Com o forte crescimento nas operações de crédito em 2008 e 2009, a Caixa reduziu praticamente à metade sua capacidade de atuação medida pelo chamado índice de Basileia (veja quadro).
Por isso, o governo anunciou uma ajuda de até R$ 6 bilhões para reforçar gradualmente o patrimônio e evitar que o banco ficasse sem condições de operar. Mas esse dinheiro não foi um aporte direto de recursos do acionista controlador nem foi feito de uma única vez.
Além desse aporte, a Caixa precisará de mais capital para fazer frente aos programas oficiais, entre eles o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida. O banco também deverá ser um dos principais financiadores das obras para a realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.
A discussão de aporte adicional na Caixa já está na agenda da equipe econômica. O mesmo acontece com o Banco do Brasil, que prepara uma capitalização de até R$ 8 bilhões, sendo que a maior parte deverá vir do Tesouro. O banco ainda tem espaço para utilizar "instrumentos alternativos", mas não está livre de um aporte do Tesouro.
Os R$ 8 bilhões, segundo os cálculos do presidente do banco, Aldemir Bendine, são o valor mínimo necessário para que a instituição retome o patamar de capitalização do final de 2008, antes das aquisições da Nossa Caixa e do Votorantim.
Com planos de expansão ousados, será preciso mais capital para o BB. O banco quer avançar na compra de outras instituições no país e no exterior. A expectativa é aumentar a carteira de crédito em 20% neste ano, o que deve significar empréstimos de, no mínimo, R$ 60 bilhões. A folga do BB para operar é de R$ 100 bilhões.
Alongamento de prazos "consome" capital
Além de preparar os bancos para emprestarem mais, a mudança na estrutura de capital também antecipa a extensão de prazo dos empréstimos, que virá nos próximos anos com uma parcela maior de crédito imobiliário e de financiamentos para infraestrutura e expansão das empresas. Isso porque o giro lento do crédito, que demora mais para ser quitado, compromete uma parcela maior da capacidade de empréstimo dos bancos.
Na atividade de crédito, os bancos captam dinheiro das aplicações dos clientes (CDB, conta-corrente, poupança etc.) ou de instituições do mercado para depois fazer empréstimos, com taxas maiores, embolsando a diferença dos juros captados e repassados -o "spread".
Mas há limitação para essas operações. Pelas regras do Banco Central, que seguem um padrão internacional, para cada R$ 100 emprestados, os bancos precisam ter no mínimo R$ 11 em patrimônio -daí o índice de Basileia mínimo de 11%, como forma de garantir solvência e liquidez mínima dos bancos.
As instituições com o menor índice de Basileia em setembro, último dado do BC, eram Votorantim (11,84%), Banco do Brasil (13,29%), HSBC (13,55%) e Citibank (15,06%).
O HSBC já teve um reforço da matriz de R$ 1 bilhão para expandir a atuação no país. Segundo Conrado Engel, presidente do HSBC Brasil, os recursos serão utilizados para ganhar mercado nos segmentos de varejo de alta renda e no financiamento do comércio exterior com a Ásia.
"Mais do que uma exigência regulatória, fomos buscar capital para crescer o negócio e competir no crédito. O HSBC só aumentou o capital no Brasil e no México. Isso mostra o foco e a importância dos mercados emergentes para o HSBC, que quer ter mais de 60% de sua operação nos emergentes."
Segundo o presidente do Santander Brasil, Fabio Barbosa, o dinheiro captado pelo banco será destinado aos créditos imobiliário e pessoal e ao financiamento para pequena e média empresa, além de grandes investimentos em infraestrutura. "Há muitas oportunidades, por isso o banco fez o IPO [abertura de capital na Bolsa]. E o sistema financeiro tem que estar preparado para cumprir o papel que dele se espera", disse.
Segundo Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Ratings, os bancos só conseguem trabalhar confortavelmente com índice de Basileia acima de 15%. "Abaixo disso, estão arriscando perder negócios. Com 13%, começa a sinalizar que precisa pensar em alguma coisa. Aumento de capital não é tão rápido fazer. Tem que ver se tem "timing", tem de preparar prospecto, registro", disse.
"Não convém para um banco grande trabalhar com Basileia apertada. É um momento bom para os bancos pensarem em aumentar o capital. Os bancos privados vão ter que ter robustez financeira porque os prazos da economia vão ficar mais longos. Os "players" se mexeram. Primeiro foi o Santander, que não precisava, mas aproveitou o momento. O Itaú e o Bradesco não precisam ainda", disse João Augusto Salles, analista da Lopes Filho.