Na última vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) perguntou qual o sonho de consumo do brasileiro, não deu outra: a casa própria e um carro zero, nessa ordem. Como ser dono do próprio teto ainda é uma aspiração distante para quem tem menos de 40 anos, a delícia de comprar um carro novinho em folha torna-se mais acessível. Mesmo em tempos de crise, as vendas nas concessionárias não param. Principalmente depois que os bancos e as financeiras esticaram o prazo para pagamento para até 80 meses e os juros, no geral, deram uma encolhidinha. Mas o consumidor que não pesquisar pode transformar a compra desse bem num desperdício de dinheiro. Um levantamento feito pelo Correio Braziliense no Banco Central (BC) aponta que as taxas médias de juros operadas pelas instituições que financiam carro zero variam até 372%.
Segundo o BC, a instituição que oferece a taxa de juros média mais baixa do mercado é o Banco Mercedes-Benz (1,24% ao mês). Já a taxa mais salgada é oferecida pela financeira Portocred: 5,86% mensais. Na média do mercado, os juros ficam em 2,01% ao mês. Entre o grupo dos sete bancos que possuem mais de 1 milhão de clientes, ou seja, que dominam mercado, o que dispõe da menor taxa média para compra de carro novo é a Nossa Caixa (1,51% mensais). O que oferece o maior índice médio de correções das prestações é o Bradesco (2,03%).
A pedido do Correio, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) fez duas simulações para se ter uma noção do quanto o mesmo carro varia no preço final, dependendo da instituição que se escolhe para fazer o financiamento. Um veículo zero que, à vista, custa R$ 24.390, quando financiado em 60 prestações sem entrada no Banco Mercedes-Benz sai por R$ 34.722 ao fim do pagamento — as prestações mensais ficam em R$ 578,70. Na instituição que tem a maior taxa, a financeira gaúcha Portocred, o mesmo veículo custará, no fim de 60 meses, R$ 88.665, com prestações de R$ 1.477,75. Ou seja, de um extremo ao outro, o consumidor pode pagar 40% a mais por um carro sobre o valor à vista, ou arcar com quase quatro veículos mesmo levando um para casa.
Arrependimento
O Correio entrou em contato com a consultora de venda da Portocred, Cássia Silva. Segundo ela, desde o ano passado, a instituição parou de financiar carros novos e passou a fazer só refinanciamento de dívidas de consumidores que não deram conta de honrar as prestações do carro zero. “Estamos cobrando juros de 6,5% ao mês”, contou. Já a financeira Cifra, que opera com a segunda maior taxa do mercado (4,05% ao mês), segundo o BC, disse, por meio de um operador de crédito identificado como Alexandre, que o forte da instituição não é financiar carro zero, mas usado. “Se você quiser comprar um carro dos anos 1990, nossa taxa é imbatível”, assegurou.
A economista do Idec, Ione Amorim, diz que as taxas operadas pelos bancos para a compra de um automóvel zero são para lá de abusivas, principalmente porque, na maioria das vezes, os veículos ficam como garantia em caso de inadimplência. “Tenho pena de quem é obrigado a fazer financiamento na Portocred, pois essas taxas são impraticáveis”, disse. “Dá muito trabalho pesquisar, mas, dependendo do banco que o consumidor escolher, ele fará uma grande economia”, ressaltou. A economista afirmou que se arrependeu de não ter pesquisado direito na hora de comprar o seu carro novo. Ela optou por um leasing (1)no lugar do crédito direto ao consumidor (CDC) (2)e acabou pagando mais do que deveria. “Só me dei conta que a outra opção estava bem melhor depois que havia pago metade das prestações”, contou.
O procurador federal Fernando Bastos, 31 anos, arrematou três carros financiados. Hoje, ele tem o carro dos sonhos, mas as prestações pensam no bolso. “Na atual conjuntura, o carro zero sai mais em conta do que o usado”, afirmou. Ele comprou um Peugeot 207 que, à vista, custaria R$ 39 mil. Mas resolveu financiar 100% e dividiu em 60 prestações de R$ 1.019. Ao quitar a última parcela, daqui a 5 anos, terá pago R$ 61.140 pelo carro. “Ter carro zero sempre foi um luxo do qual não abro mão. Até porque já tenho casa própria.”
O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, disse que as taxas de juros para a compra de veículo zero informadas ao BC refletem a média por instituição financeira. O Banco Mercedes-Benz, que aparece com a menor taxa média do mercado, chega a cobrar juros mensais de 5,25% de determinados clientes. A Portocred, com a maior taxa, dependendo do perfil do cliente, exige até 9% ao mês. “Sai ganhando o consumidor que pesquisa incansavelmente e que mantém a cautela na hora de fechar negócio”, disse.
1 e 2 - Financiamento
O leasing é um contrato de aluguel com opção de compra no fim do financiamento. O carro não fica em nome do comprador, permanece como propriedade do banco ou da financeira. Nesse tipo de aquisição, não é cobrado o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Já o CDC é um empréstimo em que o veículo é colocado como garantia da dívida e o documento fica em nome do proprietário. Na compra feita por meio de CDC, há incidência de IOF.