O ajuste dos estoques acumulados no auge da crise está praticamente completo nos diversos setores da economia, graças ao consumo doméstico e aos incentivos tributários concedidos pelo governo federal. Livres do fardo, as indústrias vão elevar a produção e voltar a contratar no segundo semestre, mas em níveis inferiores aos do período anterior à turbulência, por causa das fracas exportações e do recuo dos investimentos.
Dados preliminares de uma sondagem feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que em junho menos de 13% das indústrias estão com estoques considerados excessivos. Esse resultado é igual à média dos últimos dez anos. Em maio, o indicador estava em 14,1%. Em janeiro, o resultado chegou a 21,8%. "A indústria caminha para a normalidade, mas está longe da euforia anterior à crise", disse Jorge Ferreira Braga, responsável pela sondagem da FGV. Apenas 3,5% das indústrias tinham estoques excessivos em setembro de 2008.
Com o problema dos estoques resolvido, os economistas projetam alta entre 5% e 6% para a produção industrial no segundo semestre, em relação ao primeiro, descontadas as influências sazonais. Mesmo assim, no acumulado do ano, a indústria deve produzir 7% menos que em 2008. O crescimento só voltará a ser expressivo em 2010, favorecido também pela base de comparação fraca.
"Quando o ajuste de estoques é forte, a recuperação ocorre por saltos. Com a mesma demanda, teremos mais produção na segunda metade do ano", disse Fernando Montero, economista-chefe da Corretora Convenção. "A demanda brasileira está limpando os estoques. A resistência do varejo deve fazer o Brasil sair antes da crise", disse Júlio Callegari, economista do JPMorgan.
O acúmulo de estoques provocou um descompasso entre indústria e varejo. Em abril, a produção industrial estava 15% abaixo da de setembro, quando a crise chegou ao País, segundo o IBGE. Na mesma comparação, as vendas do varejo, excluindo itens voláteis, como automóveis e material de construção, subiram 0,2%.
Segundo Fábio Romão, economista da LCA Consultores, o fim dos estoques indesejados vai permitir que as fábricas voltem a contratar no segundo semestre. A indústria foi o setor que mais demitiu por causa da crise, com o fechamento de 507 mil vagas de novembro a março. Em abril e maio, parou de cortar funcionários. "O pior já passou, mas a recuperação do emprego na indústria vai ser mais lenta que no comércio e na construção civil", disse Romão.
O solavanco provocado na indústria pela crise foi tão forte que atingiu até fabricantes de insumos, que representam 55% da produção industrial. Para resolver o problema, as petroquímicas reduziram as atividades e as siderúrgicas abafaram altos-fornos.
Segundo Nelson Pereira dos Reis, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), os estoques e a produção voltaram aos níveis normais em abril, após um esforço de exportação e de substituição de importados no mercado local, que exigiu sacrifício de margens de lucro. No pico da crise, os estoques do setor químico ficaram 50% acima do ideal e a produção caiu 30%.
"A expectativa para o segundo semestre é de melhora porque a economia vai se recuperar", disse Reis. Segundo ele, as vendas de químicos devem subir 10% no segundo semestre, ante o primeiro, mas ainda vão se manter abaixo das de 2008. O único receio é o câmbio valorizado incentivar importações.
No setor elétrico, mais da metade das empresas considera seu nível de estoques normal, conforme a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). "O segundo semestre vai ser bem melhor que o primeiro, mas o faturamento do ano ainda deve ficar 2% abaixo de 2008", disse Humberto Barbato, presidente da entidade. A melhora se reflete no emprego. O setor parou de demitir em maio, após cortar 10 mil vagas desde o início da crise.
A siderurgia foi um dos últimos setores a se recuperar. Na semana passada, CSN e Gerdau anunciaram a retomada de dois altos-fornos, mas 5 dos 14 do País seguem parados. Em maio, a produção de aço bruto cresceu 9,5% ante abril, mas está 36% abaixo da de maio de 2008. Carlos Loureiro, presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), conta que os estoques caíram 3,9% em maio, ante abril, para o equivalente a 3,2 meses de venda, após atingir seis meses em dezembro. Ele diz que um "nível saudável" de 2,6 meses deve ser alcançado em agosto.
A crise atingiu o Brasil quando a maioria das cadeias produtivas estava muito estocada. Como a demanda crescia velozmente, as empresas não queriam correr o risco de faltar produto e perder espaço para a concorrência. Além disso, os preços das commodities subiam e garantir estoques parecia bom negócio. O capital para financiar o estoque era abundante, via crédito ou captações. Todos esses fatores foram revertidos com a crise e a indústria precisou de, em média, seis meses para digerir os estoques.