Angela Crespo
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) reconheceu que o consumidor é a parte mais fraca numa relação de consumo. Portanto, se há uma situação de desigualdade entre quem compra e quem vende, o mais fraco deve ser protegido até mesmo quando recorrer ao Judiciário para ter seus direitos garantidos. Para tanto, caberá ao fornecedor produzir (e pagar) as provas numa eventual ação judicial proposta pelo consumidor. Ou seja, o fornecedor é obrigado a produzir provas que vão ser usadas contra ele. A inversão do ônus da prova foi uma das muitas inovações que o CDC trouxe para facilitar a vida do cidadão, que agradou aos "consumeristas" e defensores do consumidor, mas pode prejudicar o fornecedor. Em razão desse ônus, empresas preferem tentar solucionar a questão com o consumidor antes que ele procure o Judiciário. A determinação de que o fornecedor é quem deve produzir as provas está no inciso VIII do artigo 6º, portanto incluída como direito básico do consumidor. Essa regra reconheceu que o cidadão, em algumas situações, pode ser classificado como hipossuficiente, por não ter conhecimentos técnico, jurídico ou econômico suficientes do produto comprado ou do serviço contratado. Tal desconhecimento o transforma em vulnerável, razão pela qual deve ser facilitada sua defesa. "A inversão do ônus da prova possibilita que o consumidor recorra ao Judiciário sem ser onerado", explica José Eduardo Tavolieri de Oliveira, advogado, conselheiro e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP). Se o consumidor tivesse de arcar com os custos das provas, dificilmente conseguiria ir atrás de seus direitos. Definições Mas para que seja determinada a inversão do ônus da prova, o magistrado precisa analisar a situação exposta pelo consumidor, observando, primeiro, se se trata mesmo de uma relação de consumo. O próprio CDC, no artigo 2º, define consumidor "como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Isso significa que se o item comprado for utilizado para transformação ou revenda,deixa de ser para uso final. Nesse caso, pelo CDC, não se configura a relação de consumo e não vigora a inversão do ônus da prova. Uma segunda observação do juiz será se o consumidor é mesmo hipossuficiente. "Um empresário rico, por exemplo, dificilmente terá garantido o direito à inversão do ônus da prova numa ação de consumo, uma vez que tem capacidade econômica para produzir as provas e pode ter ainda conhecimentos, se não técnicos, pelo menos jurídicos. Assim, não é um consumidor vulnerável", acrescenta o advogado. Cabe ainda ao magistrado, antes de solicitar a inversão do ônus da prova, verificar se as alegações do consumidor são verossímeis, isto é, se elas têm veracidade. Na maioria das ações que envolvem relações de consumo e em que os quesitos acima estão presentes, informa o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP, os juízes vêm solicitando do fornecedor a inversão do ônus da prova, independentemente do tipo, tamanho ou valor do produto ou do serviço. "O próprio consumidor pode requerer ao juiz que seja determinada a inversão. Se o pedido for indeferido, resta ainda o recurso a instância superior", completa Tavolieri. O fornecedor também tem direito à defesa e poderá recorrer a uma instância superior do Judiciário para não ser obrigado a produzir as provas. No recurso, deve sustentar que o consumidor não deve ser beneficiado com a inversão do ônus porque tem conhecimento técnico suficiente sobre o produto ou o serviço, é conhecedor das leis ou tem condições econômicas para custear as provas. "Ou seja, ele não é hipossuficiente nos quesitos técnico, jurídico e econômico", acrescenta o advogado. De qualquer forma, os comerciantes devem ter em mente que, nos processos, provavelmente deverão produzir provas para derrubar o que o consumidor sustenta.